A Universidade Católica de Pernambuco fica a alguns quilômetros do mercado de São José, no centro da cidade.
Não tem ônibus direto para fazer esse percurso, para pegar o ônibus na parada para ir, é preciso andar o mesmo tanto na parada da descida até a faculdade.
Conclusão: era mais vantagem ir a pé até a faculdade porque além de gastar dinheiro com a passagem de ônibus, ainda precisava andar um bocado.
O ano era 1968, no auge do governo militar, tinha um órgão com a sigla ”MINIPLAN” Ministério do Planejamento de Pernambuco, não sei se ainda existe hoje?
A supervisão era de um famoso e vaidoso economista (ele se achava o bam bam bam) não lembro o nome Roberto …alguma coisa, lá os estagiários trabalhavam com estatísticas e números, um trabalho monótono porque só o chefe quem fazia as análises e não ensinava aos estagiários como fazer as análises, na verdade ele estava se aproveitando do trabalho gratuito
Os estagiários aceitavam porque tinham a esperança de um dia ser efetivados como funcionário público.
Eu era um desses estagiários, fiquei decepcionado, não aprendi nada, só fiz coletar dados para o chefe.
Eu pensava que esse estágio ia ajudar os meus aprendizados, eu juntei a minha decepção com papai me chamando, voltei para a loja.
Na loja eu já tinha passado por várias etapas, comecei ainda menino nas férias do colégio, eu tinha 10 anos ou mais não lembro, eu trabalhava na embalagem fazendo pacotes das mercadorias junto com outros embaladores.
Papai queria me preparar para no futuro dar continuidade a loja que era o sustento da família.
O meu irmão mais velho que seria o escolhido, não queria saber de loja só pensava em fábrica.
Papai não me obrigava a ir trabalhar, ele só perguntava se eu ia trabalhar, eu ia constrangido querendo curtir as férias, mas não deixava ele perceber para não magoar ele.
A educação e o respeito era muito diferente do que infelizmente é hoje.
Depois fui para aspirante a vendedor, e eu devia ter uns 15 anos ganhando 100 cruzeiros por semana + comissão sobre as vendas.
Tinha um funcionário da loja chamado Luiz, e era muito legal e no meio do expediente Luiz fazia uma cota para comprar o lanche para os que quisessem participar.
O dinheiro dava para comprar para cada, um pão francês de 100g é, hoje diminuíram para 50g, manteiga e bastante mortadela é um guaraná antártica.
Foi nessa época em uma discussão não muito séria entre dois funcionários que um deles disse rindo o que eu nunca esqueci:
— Não confunda gentileza com gente lesa.
Geralmente as mercadorias eram vendidas em dúzias ou meia dúzia, e a gente tinha que decorar o preço e saber multiplicar e dividir por 12.
Até hoje eu sei de cabeça sem fazer conta, que 324 dividido por 12 é 27, que 1020/12=85, 1560/12=130 tudo de cabeça.
É muito legal saber!
Cada vendedor tinha um talão de vendas, geralmente sem valor fiscal.
A obrigação do vendedor era decorar os preços, tirar a poeira das mercadorias porque o chão era de cimento e o movimento dos clientes levantavam muita poeira, era tanta poeira que no final do dia para varrer era preciso salpicar o chão com água para limpar melhor.
Aos dezoito anos eu já viajava de ônibus para São Paulo para comprar as mercadorias para a loja.
Eu ia na famosa rua 25 de março e nas outras ruas do Brás, a maioria eram fábrica/loja, papai me dava um valor em dinheiro vivo, eu não tinha lista de compras eu podia comprar o que eu quisesse.
Geralmente as minhas compras eram um sucesso de vendas, eu sempre tive um tino comercial.
Na loja de papai a maioria dos clientes eram conhecidos, eles compravam periodicamente para revender.
Tinha um dos clientes que só comprava pentes, nenhum vendedor queria perder tempo atendendo ele, só eu.
Ele também vendia chá preto, uma combinação esquisita igual ele era, ele usava gravata borboleta e se vestia engraçado com a cintura da calça quase no peito e usava suspensório.
Todo mundo da rua o conhecia e alguns caçoavam e zoavam com ele, e as vezes ele reagia correndo atrás do gozador.
Ele colocava os pentes e os chás em um tabuleiro pendurado no pescoço e saia nas ruas gritando:
— Chá preto com pente, quem vai querer.
Na loja, eu trabalhava de dia e estudava a noite na faculdade de economia.
Quando terminava as aulas, por volta de 22 horas, era outra caminhada da faculdade até o ponto de ônibus perto do presídio que a gente chamava de “detenção” onde ficavam os presos.
Hoje as celas estreitas viraram lojinhas de artesanato.
Naquela época, à noite as empresas de ônibus colocavam os ônibus mais velhos e lentos com medo de predadores noturnos.
Eu lembro que uma dessas noites eu peguei um desses ônibus bem velhos e lentos da antiga empresa Pedrosa, engraçado tem coisas que não importa quanto tempo faz, a gente nunca esquece, não é?
O percurso até em casa no bairro de boa viagem com essa lata velha demorava umas meia hora.
As vezes eu ganhava uma carona na lambreta do meu primo Helinho, era uma benção para quem estava cansado e com fome.
Continuando, naquele bendito dia eu estava “apertado“ com o número dois, foi triste a demora, eu com medo de fazer nas calças, suando frio e segurando o mais que pude, finalmente chegou a minha parada, desci juntando os joelhos até a minha casa que ficava a 50 metros da parada.
Pense no alívio finalmente no banheiro, depois de uma noite terrível.
Obrigado pelo interesse e pela paciência.
Meu nome é Michel.
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